"O Governo vai criar um comitê Executivo para acelerar a recuperação", anunciou o ministro da educação, juntamente com o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, e do reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher. Eles realizaram uma entrevista coletiva, inicialmente marcada para 14h30, apenas no final da tarde, após uma reunião. As três autoridades representam os três organismos responsáveis da instituição: a UFRJ, proprietária e mantenedora do museu, recebe suas verbas via repasses do Ministério da Educação, enquanto que o Ministério da Cultura, a partir do IPHAN e do IBRAM, órgãos nacionais de patrimônio e de museu, possuem responsabilidades normativas e de conservação. Os 10 milhões, que virão exclusivamente da pasta de Educação, deverão garantir de forma urgente a segurança do patrimônio, o cercamento do local e o reforço das estruturas, explicou da Silva. Uma empresa deverá ser contratada e, juntamente com os funcionários do Museu, começará a ser feito o trabalho de procura do que sobrou. "O que nós fizemos hoje foi dar o ponta pé inicial na reconstrução", disse Sá Leitão.

Depois, cinco milhões de reais deverão ser destinados para um projeto básico e um executivo, que Sá Leitão estima que ficará pronto até o início de 2020. A partir de então começa o trabalho efetivo de reconstrução. "Um projeto executivo leva de seis meses a um ano. Queremos dar a maior celeridade, por isso estamos fazendo uma parceria com a UNESCO, para fazer as contratações via este órgão", explicou o ministro da Cultura. Além desses 15 milhões de recursos, ele garantiu que o financiamento de 21,7 milhões do BNDES, aprovado anos antes da tragédia deste domingo, está mantido. Sá Leitão também garantiu ter colocado "a Lei Rouanet à disposição" da reconstrução do museu. "Recebi contatos da TIM, do Banco Icatu... o presidente Michel Temer conversou com a Febraban, com o Itaú, o Santander e o Bradesco. E também vai falar com as estatais, como o BB, a Caixa e o BNDES", completou.

A última etapa desse projeto, detalhou Sá Leitão, é a aquisição de "novos acervos que possam de alguma forma substituir o que se perdeu". O ministro da Educação falou por sua vez em "parcerias internacionais" para recompor o acervo.

Vídeo: Veja como ficou interior do Museu Nacional após incêndio (Via Veja)

Responsabilidades

O reitor da UFRJ, instituição responsável por repassar os recursos que chegam através do Ministério da Educação, evitou fazer qualquer tipo de especulação sobre eventuais causas e culpados. Não se pode, argumentou, trabalhar de forma especulativa em momento delicado". Demonstrou confiança no trabalho da Polícia Federal, mas defendeu que a UFRJ também faça seu parecer para que haja um "refinamento" maior dos laudos sobre o incêndio. Ele disse que a instituição não possuía recursos suficientes para manter uma brigada de incêndio 24 horas no local.

Já Sá Leitão não poupou críticas ao que considera um modelo ineficaz de gestão dos museus universitários. Ele retirou a culpa do Governo Federal pela falta de financiamento e passou às próprias instituições. "Esses museus estão em condições muito precárias. Acho que falta sobretudo que os gestores das universidades, responsáveis pelos museus, empreendam ações no sentido de aumentar a base de recursos. Ficar apenas com recursos orçamentários não dá mais", defendeu o ministro da Cultura, que quer uma mudança no modelo. "Esse modelo 100% estatal está falido no Brasil. É preciso mudar o modelo de gestão desses museus e buscar outras fontes de recursos. Eu tenho colocado a Lei Rouanet à disposição, tenho procurado prefeitos e governadores para que se envolvam nesse processo. Mas isso é uma questão de postura desses gestores das universidades".

Luto e protestos

 

Além das promessas das autoridades, esta segunda-feira foi de luto, lágrimas e protestos. "Eu estava em casa quando recebi uma mensagem via rede social de uma professora da UERJ que mora aqui do lado avisando do incêndio", conta o professor Renato Rodríguez Cabral, do departamento de geologia e paleontologia. "Eu peguei o carro e voei pra cá, na esperança de que fosse algo localizado. Mas quando eu vi, comecei a chorar dentro do carro", completa o pesquisador, que há 13 anos trabalha no Museu Nacional. No meio da tarde, ele e alguns colegas puderam entrar rapidamente em algumas salas do primeiro andar para resgatar alguns minerais raros da coleção Werner, trazida pela família real ao Brasil,  além de um quadro do Marechal Rondon. Algumas cerâmicas também foram resgatadas pelos bombeiros.

Alguns setores, contudo, foram totalmente destruídos. Como a parte de memória e arquivo, composta principalmente de papel. Ou a parte de insetos, que contava com exemplares únicos de espécies extintas. "Felizmente a produção muito intensa, então nem tudo está perdido em termo de ciência, porque muitas peças foram estudadas. As analises estão publicadas em artigos e livros", explica o professor. "Tínhamos inúmeras peças de culturas indígenas brasileiras coletadas desde o seculo XIX de povos que não existem mais, ou de povos que existem e não fazem mais aquilo", completa. Já os estragos de seu departamento serão avaliados com o tempo. "Nossos armários de aço estão em pé, mas tem muito ferro e entulho em cima. Vai demorar alguns meses para acessas os fósseis e minerais ali dentro. Se a gente recuperar 25%, vai ser uma alegria total". Outro setor que reportava perda total era o de linguística, em especial o acervo único de línguas indígenas.

Já Cristiana Serejo, vice-diretora do Museu Nacional, estima que, além da carcaça do palácio imperial, apenas 10% do do acervo se salvou — ainda que só se saiba exatamente quando a perícia da Polícia Federal terminar e os pesquisadores puderem entrar, destaca. Ela lembra ainda que alguns departamentos fora do palácio, como de vertebrados e o de botânica, além de uma biblioteca no Horto, ficaram intactos. O desafio agora é manter as pesquisas e remanejar os pesquisadores para para outros espaços da UFRJ. E, com o que sobrou, construir outro museu. "Desde ontem eu choro bastante, mas a gente vai conseguir", disse, emocionada.

Diante dos portões da Quinta da Boa Vista, estudantes vestidos de preto protestavam em repúdio ao incêndio. Em determinado momento, forçaram a entrada no parque municipal e foram contidos por policiais, que usaram bombas de gás e cassetetes. Por volta de 14h finalmente os portões foram abertos e eles puderam se aproximar mais do palácio incendiado. Não houve mais tumulto. Na parte da noite, uma manifestação foi convocada no centro da cidade, na Cinelândia, com o mesmo intuito: protestar contra o descaso das autoridades brasileiras que, acredita-se, resultou na tragédia. Milhares marcharam em direção a Assembleia Legislativa, mas não há uma estimativa do número exato de pessoas. Segundo análise de FGV, a tragédia provocou grande mobilização no Twitter — semelhante à do assassinato de Marielle Franco ou do julgamento do ex-presidente Lula no Supremo Tribunal Federal: foram 1,6 milhão de tuítes em 18 horas.(EL PAÍS )

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